Como conhecer o passado, além de uma atividade turística, pode ser a solução para a mobilidade urbana
Salvador, capital da Bahia e conhecida como primeira capital do Brasil, ostenta outros títulos além desses, como “Roma Negra” – uma possível referência à quantidade de igrejas construídas na cidade e, ao mesmo tempo, à população majoritariamente negra. Outro possível título que caberia bem à cidade é a de cidade dos elevadores urbanos e dos planos inclinados. Mas isso é apenas uma brincadeira, já que outras cidades, como o Rio de Janeiro, possuem um número maior desses mecanismos aplicados à mobilidade urbana.
O que diferencia Salvador das outras, como a própria capital fluminense, é o tempo em que essas soluções são aplicadas no espaço urbano. Nesse nosso tour pelo Brasil, entenderemos um pouco mais os porquês de Salvador empregar os elevadores e planos inclinados como solução para o deslocamento. Um pouco de história que nos ajuda a entender o que vivemos hoje. Vamos nessa?
A primeira capital do Brasil
Salvador foi capital do Brasil até o século 18, quando perdeu o título para o Rio de Janeiro. Localizada às margens da Baía de Todos os Santos, reentrância no litoral nordestino conhecida por suas belezas, São Salvador de Todos os Santos, seu nome de batismo, cresceu como um entreposto comercial. Ali chegavam as mercadorias vindas do interior, sobretudo do recôncavo baiano, e dali partiam rumo ao exterior – ou melhor, rumo à metrópole, Portugal.
Essa característica de entreposto fez com que por lá fosse construído, e continue a existir, um porto bem dinâmico, localizado nas margens da mesma baía, no sopé de uma encosta que diferencia espacialmente a cidade em Cidade Alta e Cidade Baixa, onde ainda hoje está localizado o porto. Já na parte alta, localizavam-se as moradias das classes mais abastadas da cidade e as principais representações do governo português na cidade.
Com o passar dos séculos e as mudanças políticas, como a independência do Brasil, a cidade de São Salvador passou a ser chamada apenas de Salvador e manteve o título de capital, agora da província de depois do estado da Bahia. Hoje é uma metrópole com mais de 3 milhões de habitantes, centro empresarial e ainda ostenta a posição de entreposto comercial.
Como era, como ficou e como está
Lá no século 19, uns 300 anos depois de ser fundada (a data oficial de fundação é 29 de março de 1549), Salvador já era uma cidade grande, capital da província do Império do Brasil, e apresentava uma vida urbana bem dinâmica. Concentrava senhores fazendeiros que demonstravam suas riquezas em sobrados construídos no corredor da Vitória e, ao mesmo tempo, via transitar por suas ruas um número altíssimo de africanos escravizados e libertos.
Uma parte bem significativa dessas pessoas transitava entre a Cidade Alta e a Cidade Baixa, trazendo e levando mercadorias, encomendas e pessoas de um lado a outro da cidade. Esse trânsito se concentrava nas ladeiras, as ruas que serpenteiam a encosta sobre a qual a cidade alta foi se formando. Lá nos idos dos anos de 1860, o transporte de cargas entre as duas partes da cidade se tornava cada vez mais uma questão a ser melhorada.
É bom lembrar que já vivíamos os anos da indústria, com o crescimento do comércio internacional e a inserção do Brasil, uma nação recém inventada, como ator no plano internacional. Não por menos, a segunda metade do século 19 engloba um período modernizante no país, com obras muitas vezes singelas e discretas, preocupadas em sua maioria em embelezar as cidades brasileiras, sobretudo a capital imperial. Mas, não é de se espantar, Salvador não ficou de fora.
Foi, então, da mente de um engenheiro chamado Antônio de Lacerda que surgiu a ideia de construir um elevador que fizesse a ligação entre a Cidade Baixa e a Cidade Alta. Com as obras iniciadas ainda na década de 60 do século 19, o elevador ficou pronto anos depois, em 1873. A partir daquele momento, o Brasil passou a abrigar o primeiro elevador para uso urbano do mundo. Ou melhor, o primeiro elevador utilizado como transporte público!
A primeira estrutura, simples quando comparada ao que hoje vemos ao visitar a cidade, avança bem pouco além da encosta em que está a cidade alta e, ao mesmo tempo, adentrava dentro da rocha em sua base. Somente no século 20, décadas após sua inauguração, o Elevador Lacerda, como passou a ser chamado, passou por uma reforma em que foi adicionada uma nova torre, acrescentando dois novos equipamentos à estrutura.
Lá em sua inauguração, o sistema de acionamento do elevador era hidráulico. Anos depois, em uma de suas reformas, passou a contar com sistemas elétricos. Outras intervenções foram realizadas, transformando sua aparência, mas mantendo seu uso como transporte urbano.
Além dos números bem atrativos de pessoas transportadas, o Elevador Lacerda se tornou um símbolo e cartão postal da capital baiana. Até o Google, a gigante da tecnologia, celebrou os 145 anos de inauguração do equipamento.
E os planos inclinados?
Além do Elevador Lacerda, outros equipamentos foram construídos em Salvador para permitir o acesso de uma parte da cidade à outra, e quase sempre próximas umas das outras. Um deles é o Plano Inclinado Gonçalves, que permite o acesso do bairro do Comércio, na Cidade Baixa, ao Pelourinho, nas proximidades da Basílica da Sé, na Cidade Alta.
Também inaugurado na década de 70 do século 19, esse plano inclinado conta com um sistema funicular, como se fosse uma ferrovia, mas contando com apenas um carro (sem aqueles comboios gigantes que identificamos como sendo o trem) e sistemas, normalmente, de cremalheira (engrenagens que movimentam os carros de um plano a outro). O sistema funicular é empregado em diversos lugares do mundo, geralmente em situações que demandam a superação de altitudes diferentes entre uma estação e outra, assim como em Salvador.
O do Gonçalves, considerado um dos mais antigos da capital, soma-se ao Plano Inclinado do Pilar, construído em 1891, e da Calçada, inaugurado em 1981, quase um século depois da inauguração do primeiro, o do Gonçalves!
Elevador, plano inclinado… E?
Os dois tipos de equipamentos foram construídos e utilizados como soluções para o transporte urbano em Salvador, ainda quando a cidade tinha seus milhares de habitantes. E isso é muito relevante!
Se considerarmos hoje, quando Salvador é centro de uma região metropolitana e conta com metrô, trens suburbanos, aeroporto, porto e um sistema de transporte por balsas, percebemos que o Elevador e os planos inclinados se somam às alternativas de deslocamento dentro da metrópole. Uma evidência é a construção do Plano Inclinado da Calçada já na década de 80 do século 20, 40 anos atrás! Esse plano inclinado permite o acesso à estação de trens Calçada, que recebe passageiros vindos dos subúrbios soteropolitanos. Além disso, tanto o Elevador, quanto os planos inclinados, atuam hoje como atrativos turísticos da cidade. Quem já visitou Salvador sabe que um passeio no Elevador Lacerda é quase obrigatório.
Sério. Visite. As vistas lá de cima são incríveis!
Mas, falando sério, quando discutimos sobre cidades inteligentes, políticas de transporte verdes, quanto mais alternativas tivermos e utilizarmos, melhor para nossas cidades!
É claro que Salvador conta com uma característica peculiar (a escarpa que separa as duas partes da cidade), mas essas dinâmicas de deslocamento nos ajudam a compreender quais são as possibilidades que temos e o que pode ser feito para garantir o acesso de todas e todos às diversas regiões da cidade.
Não por menos, também em Salvador, está sendo desenvolvido o projeto para construção de túneis urbanos com esteiras rolantes destinadas ao transporte de passageiros, realizando a ligação entre pontos da região central, como estação de metrô e terminal de ônibus. Será, então, que conhecer nosso passado nos ajuda a pensar nosso futuro?
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