Lares multigeracionais, também conhecidos como intergeracionais, é um conceito que pressupõe duas ou mais gerações residirem na mesma casa ou residência unifamiliar. Nesse entendimento, não deve se levar em conta pessoas com idade inferior a 18 anos completos, adolescentes ou crianças.

Segundo a Dra. Emma Garland, PhD, do Winston Churchill Memorial Trust, lares multigeracionais são uma estratégia para proporcionar moradia de forma segura para pessoas de todas as idades que podem interagir, colaborar e explorar valores e potenciais de cada geração em dinâmicas cotidianas e diárias. Há diferentes tipos de lares multigeracionais e possibilidades de arranjos familiares, interfamiliares e/ou comunitários. Entenda:

Moradia compartilhada ou homesharing

Moradias que reúnem uma ou mais pessoas idosas têm um ou mais quartos à disposição em casa e precisam de um pouco de suporte para continuar vivendo de forma independente, com uma ou mais pessoas jovens que precisam de acomodação e têm disponibilidade para apoiar tarefas domésticas no dia a dia, além de oferecer companhia.

Vilas, coabitação ou cohousing

Empreendimentos residenciais desenvolvidos intencionalmente para acolher uma comunidade diversificada de pessoas, geralmente em moradias privadas separadas e com espaços de uso coletivo e comunitário, onde o grupo conduz processos participativos de tomada de decisão.

Acomodações especializadas para pessoas idosas

Casas e instituições de cuidado e assistência social para pessoas idosas que disponibilizam uma parte das acomodações para pessoas jovens que, como forma de aluguel integral ou parcial, concordam em dedicar uma quantidade de horas mensais para atividades comunitárias.

Projetos especiais de interesse social

Empreendimentos de habitação realizados pelo (ou em parceria com o) setor público para promover moradia acessível, subsidiadas por meio de incentivos ou aluguel social, para pessoas idosas e jovens com baixa renda.

De forma geral, independentemente do tipo de moradia e do arranjo de pessoas residentes, lares multigeracionais via de regra apresentam essas 3 características principais:

  1. Espaços de uso privado e áreas de uso comunitário e coletivo, onde boa parte das atividades acontecem no dia a dia;
  2. Oportunidades para fortalecimento de vínculos familiares, relações de confiança e trocas de talentos e recursos entre diferentes gerações de pessoas;
  3. Incremento em segurança, conforto e confiança para realização de atividades domésticas no dia a dia.

Por que lares multigeracionais devem estar no radar de arquitetos e construtores?

De acordo com estudos recentes publicados pelo Cambridge Centre for Housing and Planning Research (CCHPR), vinculado à Universidade de Cambridge na Inglaterra, o número de moradias que são habitadas por duas ou mais gerações vem crescendo anualmente.

Considerando as projeções atuais, em 2040 é provável que 1 em cada 6 residências na Inglaterra consistam em lares multigeracionais, o que vai representar mais de 15% de todas as unidades residenciais. Esse fenômeno pode ser observado em diferentes localidades e países em continentes distintos e, apesar de Estados Unidos e países europeus somarem mais experiência e apresentarem esquemas elaborados de lares multigeracionais, essa já é considerada uma tendência em todo o mundo.

O que isso significa para arquitetos, engenheiros, construtores, incorporadoras e gestores públicos? Confira abaixo.

Reformas e renovação imobiliária: a atualização de imóveis existentes é uma consequência do crescimento dos lares multigeracionais;

Regeneração urbana: experiências ao redor do mundo mostram que projetos de lares multigeracionais tem o potencial de estimular processos de revitalização em áreas degradadas;

Criatividade: solucionar demandas tal como equilibrar áreas de uso privado e de uso coletivo exigem a criatividade e a técnica de profissionais especializados;

Acessibilidade: lares multigeracionais envolvem adaptações de acessibilidade considerando a mobilidade reduzida de pessoas idosas, incluindo elevadores residenciais e plataformas de acessibilidade;

Diversidade: os diferentes tipos de lares multigeracionais e arranjos de moradores necessitam de tipologias arquitetônicas variadas.

Motivadores e vantagens para morar em um lar multigeracional

A população mundial se encontra em processo de envelhecimento. Esse processo é caracterizado por um contexto em que há menos nascimentos ao mesmo tempo em que há o aumento da expectativa de vida. Junto a isso, é cada vez mais comum encontrar jovens adultos na faixa de 25 a 35 anos de idade residindo na mesma moradia com seus avós e/ou pais, ou em moradias compartilhadas com pessoas idosas.

Há motivos para que isso esteja acontecendo. Dentre esses motivos, conforme a expectativa de vida aumenta, estar perto dos pais se torna uma prioridade para os jovens na fase adulta. Existe também uma mudança cultural vinculada a isso. As gerações atuais podem ter uma concepção mais complexa de liberdade e autonomia de vida, que não necessariamente inclui sair da casa dos pais.

Ao mesmo tempo, alguns motivadores práticos podem contribuir para essa tomada de decisão. Por um lado, a escassez de oportunidades de emprego e o dinamismo e imprevisibilidade do mercado de trabalho resultam em movimentos cíclicos de saída e de retorno para a moradia compartilhada. Por outro lado, a economia financeira proporcionada pelo modo de vida em um lar multigeracional permite reduzir custos e despesas fixas atreladas à moradia, como aluguel, impostos, contas de água e energia elétrica, dentre outros.

Lares multigeracionais possibilitam que pessoas idosas:

  • Permaneçam socialmente integradas, contribuindo de forma positiva para autoestima;
  • Exercitem a saúde física e mental e prolonguem a independência e autonomia para tomada de decisão;
  • Sintam-se menos solitárias ou isoladas e expandam sua rede social;
  • Atrasem a necessidade de recorrer a alternativas como casas de repouso ou contratação de serviços especializados e custosos para cuidados e assistência;
  • Possam contar com apoio para tarefas domésticas, cuidados e administração de medicamentos;

Lares multigeracionais possibilitam que pessoas jovens:

  • Acessem moradias com melhor qualidade arquitetônica e mais bem localizadas nos centros urbanos e cidades universitárias;
  • Adquiram experiências sociais relevantes para seu desenvolvimento pessoal e profissional
  • Se beneficiem da sabedoria de vida de pessoas idosas
  • Desenvolvam habilidades de interação e comunicação social

Lares multigeracionais proporcionam à vizinhança, ao bairro e à cidade:

  • Dinamismo e potencial para processos de revitalização e regeneração urbanas;
  • Atratividade para uma diversidade de comércios e serviços;
  • Oportunidades para redução de custos relacionados à assistência social e saúde.

Desafios para o desenvolvimento de lares multigeracionais

  • Fundos e financiamento que possibilitem a adaptação e atualização arquitetônicas para tornar casas acessíveis e à prova do futuro;
  • Inclinação dos proprietários para locar para pessoas idosas que dependem somente da aposentadoria como fonte de renda; ou para múltiplos locatários, ou para pessoas jovens com baixa renda;
  • Questões burocráticas e legais como impostos, taxas, responsabilidade legal compartilhada sobre o contrato de locação; preferência para compra na hipótese de venda;
  • Demandas individuais que podem afetar a capacidade coletiva de arcar com os custos compartilhados, como a eventual necessidade de uma pessoa acompanhante para cuidados especiais do morador idoso;
  • Mudanças na configuração familiar de moradores, como separações, casamentos ou gravidez;
  • Falta de políticas e de legislação específica que ofereçam proteção, garantia e segurança aos proprietários e aos locatários e/ou sublocatários.

Exemplos

Alicante, Espanha

Lares multigeracionais - Espanha

Fonte: https://world-habitat.org/world-habitat-awards/winners-and-finalists/municipal-project-for-intergenerational-housing-and-community-services-in-alicante/

244 unidades habitacionais com aluguel subsidiado pelo município distribuídas em 03 edifícios localizados em regiões centrais, para pessoas de baixa renda idosas com 65 anos ou mais e jovens com 35 anos ou menos, onde além de acessar moradia digna, os moradores trabalham em conjunto nos programas e projetos colaborativos realizados periodicamente nos espaços comunitários.

Beekmos, Holanda

Empreendimento residencial em parceria entre Stichting Timon, uma organização para juventudes, e Habion, uma associação de habitação de interesse social para pessoas idosas, que reúne jovens mães ou mães adolescentes solteiras e mulheres idosas que atuam como mentoras das jovens, enquanto se beneficiam de residir em área central bem localizada e das relações comunitárias.