No mês de março de 2021, o porta-voz do Ministério da Economia informou que o Orçamento Federal de 2021, sancionado pelo Governo Federal, não prevê recursos para a realização do Censo populacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Conforme o Orçamento Federal, o Censo perdeu mais de 90% de sua verba. Depois de outro adiamento realizado em 2020, devido à pandemia, a suspensão da pesquisa em 2021 deixa o rumo das políticas públicas do Brasil no escuro.
Para que o impacto do cancelamento do Censo no planejamento urbano das cidades fique mais claro, precisamos entender qual a importância dessa pesquisa e como ela impacta o poder de ação de cada município.
O que é o Censo?
O Censo é um levantamento realizado a cada 10 anos pelo IBGE, responsável pela coleta de uma ampla variedade de dados, que permitem o desenho de um perfil socioeconômico do país.
Como o Censo é realizado?
Ele acontece de forma presencial. Os pesquisadores do IBGE fazem visitas às casas da população e recolhem dados sobre as características dos moradores, no que diz respeito à educação, ao trabalho, à moradia e a muitas outras informações.
Por ser presencial, a realização do Censo em meio à pandemia da COVID-19, poderia resultar em dados que não correspondem à realidade, devido a possíveis problemas de estimativa complexos relacionados à dificuldade de acessar todas as moradias e toda a população. É importante lembrar que a pandemia impôs o isolamento e distanciamento social como uma das medidas preventivas.
Se no Brasil a pesquisa é feita de casa em casa, em outros países, como o Canadá, a internet é utilizada como ferramenta para realização remota dos questionários. Por aqui, essa estratégia é entendida como inviável, uma vez que dentro do país a desigualdade de acesso à internet é grande, o que poderia levar à exclusão de parcela significativa da população.
Qual a importância do Censo?
Segundo o próprio IBGE, o Censo é o único levantamento que alcança os domicílios de todos os brasileiros – mais de 60 milhões de residências distribuídas em 5.570 municípios.
Diferente de uma amostragem, como a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (PNAD) realizada anualmente com uma parcela pequena de pessoas, o Censo populacional traz um panorama completo e detalhado sobre a composição da sociedade brasileira.
Informações pontuadas pelo Censo, como acesso ao saneamento, fornecimento de energia elétrica, condições de habitação e acessibilidade universal nas ruas, são essenciais para a criação e orientação de políticas públicas, bem como a realização de investimentos públicos e privados.
É importante destacar que o Censo mais recente é o realizado em 2010, deixando os dados brasileiros desatualizados em mais de uma década.
Como o Censo auxilia o planejamento de políticas públicas em cidades?
Economicamente falando, os dados levantados sobre a população ajudam a União a direcionar seus gastos aos Fundos de Participação dos Municípios. Isso quer dizer que, a partir dos dados coletados, o governo calcula a parcela dos recursos federais que cada cidade receberá.
Por exemplo: com os dados minuciosamente separados por cidades e bairros, fica muito mais fácil entender como anda a acessibilidade universal de pessoas em localidades públicas. O Censo ainda permite a identificação de pontos mais específicos, como a acessibilidade de pessoas cegas. Assim, investimentos que cubram as necessidades dessas pessoas podem ser planejados com eficiência.
Brasil sem Censo: como fica o planejamento urbano?
Como indicado anteriormente, as informações levantadas pelo Censo, ajudam os gestores públicos a reconhecerem demandas da população e permitem reconhecer, por exemplo, áreas das cidades que carecem de novas alternativas para o transporte público. Políticas de habitação social, outras obras viárias e o planejamento a longo prazo, também dependem das informações coletadas no Censo.
É possível, então, perceber que o planejamento urbano é um dos pontos que mais perde com a não realização da pesquisa. Outras áreas da administração pública e empresas privadas também são prejudicadas pela ausência de dados atualizados.
É fácil perceber que, desde o último Censo em 2010, as configurações urbanas no Brasil mudaram muito. Cidades de todo o país cresceram rapidamente, e essas transformações não se limitaram às capitais e grandes cidades, chegando até o interior dos estados.
Ainda que desde 2001 esteja em vigor o Estatuto da Cidade, que obriga a elaboração de Planos Diretores – leis que orientam o crescimento das cidades – para grandes cidades, historicamente o crescimento dos núcleos urbanos no país aconteceu de forma desordenada.
Por isso, a relação entre habitação-trabalho-lazer-serviços nem sempre se faz de forma equilibrada, como reconhece o porta-voz do IBGE, ao identificar que a distância entre trabalho e moradia nem sempre foi considerada no momento em que se elaboravam os planejamentos das cidades.
O impacto em políticas do setor privado
Além do impacto em políticas do setor público, como a atualização dos planos de desenvolvimento das cidades, o setor privado também pode ficar “no escuro”.
Muitas empresas e órgãos do setor privado utilizam os dados coletados pelo Censo para conhecer melhor as características dos consumidores. Sendo assim, elas precisam de dados para desenvolverem soluções que beneficiam pessoas em áreas marginalizadas, por exemplo, onde o poder público se faz presente de forma precarizada.
Atenção a minorias
Saber mais sobre o perfil das pessoas muda o direcionamento de políticas que melhoram o bem-estar coletivo.
Quando consideramos a série histórica de dados levantados pelo IBGE, reconhece-se que o Brasil está envelhecendo rápido. Dados da Divisão de População da ONU, apresentados em 2019, mostram que, no início de 2020, o país tinha 29,9 milhões de pessoas com 60 anos ou mais.
As projeções para 2100 apontam 72,4 milhões de idosos brasileiros.
Essa população em específico, assim como outros grupos sociais, continuam dependendo de investimentos públicos para que tenham uma experiência urbana acessível e satisfatória.
O Censo a partir de agora
Depois de ser suspenso em 2020, e novamente adiado em 2021, ainda não existe uma nova data para a realização do levantamento.
Em nota, responsáveis pelo IBGE informaram que buscam a realização do Censo no ano de 2022.
Mesmo assim, com o atual teto de investimentos federais aprovado, a organização da pesquisa declarou que nem a fase preparatória, momento em que é realizado, por exemplo, concurso público para seleção de recenseadores, poderia ser concluída.
Em resumo, pesquisas como o Censo são imprescindíveis para que os governos entendam como as políticas públicas estão se desenvolvendo na realidade. É uma forma de avaliar os projetos e planos colocados em prática, bem como ponderar se as necessidades da população estão sendo atendidas.
Em um cenário em que essas informações não estão disponíveis, agências e órgãos públicos e privados têm suas atividades afetadas, cidadãos ficam socialmente desamparados, o investimento em planejamento urbano é seriamente comprometido e o desenvolvimento urbano das cidades acontece às cegas.
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